A Bíblia

sábado, 14 de março de 2009

Destruição da família e violência
13 Mar 2009
Cardeal Odilo Pedro Scherer

Enquanto a Campanha da Fraternidade de 2009 apenas está no início, somos surpreendidos cada dia com notícias sobre novos fatos e esquemas de refinada violência: um grupo de extermínio atuando na área metropolitana de São Paulo e que cortava mãos e cabeças das vítimas para não serem reconhecidas; crianças abusadas sexualmente de maneira aberrante e vergonhosa; a menina de 9 anos, no Pernambuco, abusada durante três anos por um familiar, resultando grávida; e para saber mais, é só abrir e ler os jornais de hoje...
A questão posta pela Campanha da Fraternidade não se detém na denúncia de fatos, mas vai à reflexão sobre as causas da violência, indicando também as vias para uma possível solução. A violência está relacionada com fatores pessoais e morais, que devem ser objeto de constante conversão e educação dos hábitos e da orientação da vida segundo os mandamentos da lei de Deus e os valores do reino de Deus; a Igreja não se cansa de chamar à penitência e à conversão, especialmente durante a Quaresma.
Mas a violência também tem causas sociais, que precisam ser conhecidas e enfrentadas coletivamente, com esforço solidário e também com políticas públicas. O Estado e as Instituições públicas têm a missão de promover, entre outras coisas, a justiça social, a eficiência no sistema judiciário e o desbaratamento do crime organizado; da mesma forma, também são responsabilidades do Estado e dos órgãos que o representam a promoção de uma autêntica cultura dos direitos humanos e da dignidade da pessoa, bem como o amparo às instituições e organizações da base social, que são capazes de assistir às pessoas na sua situação concreta e de promover os verdadeiros valores na convivência social; refiro-me à família, à escola e a tantas outras organizações da sociedade civil. A paz será fruto da justiça e do respeito à dignidade das pessoas.
Muita violência tem a ver com a desestruturação e destruição da família, inclusive por leis e políticas contrárias à família; os efeitos são desastrosos para a sociedade pois, aquilo que a família constituída e amparada minimamente poderia fazer, acaba faltando na vida das pessoas e os problemas sobram para a sociedade e para o próprio Estado. Quem promove uma cultura desprovida de valores éticos, quem incentiva e explora a prostituição, a promiscuidade e incita à iniciação sexual precoce de crianças e adolescentes deveria pensar se não está incentivando, também, a violência sexual contra mulheres e crianças, ou apoiando comportamentos sexuais aberrantes, como os que são objeto de notícia na imprensa.
A negação das implicações morais e da responsabilidade social nos comportamentos individuais, bem como o incentivo à banalização do sexo e do casamento, está fragilizando a família e pode causa de violência. Alguém já fez uma análise séria das consequências da farta distribuição de preservativos, não só no sambódromo por autoridades, mas até em escolas, para crianças e adolescentes? O desmantelamento da família mediante políticas públicas que atendem a grupos de pressão mais que ao interesse social e coletivo, sobretudo dos grupos sociais que mais necessitam da família, como as crianças, os idosos e os doentes, é uma grande irresponsabilidade e trará consequências graves para a sociedade e o Estado. A família é um bem para a pessoa e para a sociedade e, por isso, deve ser defendida e amparada por políticas públicas que lhe possibilitem o exercício de suas atribuições naturais e sociais.
Muita violência, infelizmente, tem origem debaixo do teto familiar. O caso triste do estupro das meninas por um padrasto, no Pernambuco, não é único; tais fatos devem ser denunciados. Muita violência está relacionada com a ausência de uma sólida educação recebida em família, ou com os ambientes já contaminados por toda sorte de sordidez, onde as crianças convivem desde cedo com vícios e violência, são vítimas dela e acabam sendo orientadas para repetir comportamentos violentos.
A superação da violência não acontecerá simplesmente por esquemas repressivos mas por mudanças de fundo cultural. A escola tem um papel importante na formação dos valores para uma convivência respeitosa e sadia. Mas, quando a própria escola está desamparada, o que se pode ainda esperar? Fico impressionado quando ouço ou leio que professores têm medo de entrar em certas salas de aulas freqüentadas por crianças e adolescentes... Faço votos que esta Campanha da Fraternidade se torne ocasião para uma séria reflexão sobre as causas da violência na sociedade.

Card. Dom Odilo P. Scherer
Arcebispo de S.Paulo
Artigo publicado em O SÃO PAULO na ed. de 09.03.2009

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